A marca, de nome curioso para os brasileiros, tem 18 mil operações na Coreia do Sul e estreia na Liberdade focada no conceito de autosserviço e de olho no público jovem
Chegou ao Brasil, no bairro da Liberdade, em São Paulo, a famosa rede sul-coreana de lojas de conveniência CU. Sim, você não leu errado. Esse é o nome correto da rede que se popularizou pelo mundo por aparecer nos ‘doramas’, as novelas coreanas.
Apesar de ser uma loja de conveniência, é diferente. A CU oferece lanches e refeições prontas, mas o carro-chefe da casa é o famoso lámen (macarrão parecido com o miojo), que o cliente pode preparar na hora a seu gosto.
Há diversas máquinas à disposição para esquentar água e cozinhar o produto e incluir acompanhamentos. Também há mesas à disposição para comer no local.
Operada pela BGF Retail, a rede tem 34 anos e conta atualmente com 18 mil lojas em toda a Coreia do Sul, sendo 2.500 só na cidade de Seul. Segundo dados da empresa, o volume mensal de visitantes da rede na Coreia é de 12 milhões de clientes, o que equivale a dizer que cada residente do país visita a CU mais de uma vez por mês. As lojas operam 24h por dia, 365 dias por ano.
Na Liberdade, a CU está localizada no segundo andar da Galeria Imperial, na Rua Galvão Bueno, 351, e funciona de terça a sábado, das 11h às 18h.
A estratégia da empresa é crescer no Brasil, assim como é um sucesso na Coreia. No entanto, a unidade da Liberdade nasceu por meio de outra loja, aberta em março de 2023 com o nome de Rappa Lamen, pelas mãos do empresário Sergio Min Su Lee. “Essa loja é própria, mas pretendemos abrir franquias da CU em breve”, conta.
O Diário do Comércio visitou o local em um fim de tarde de domingo e havia fila do lado de fora. O proprietário Lee assumia o caixa para dar conta da demanda de clientes e curiosos. As prateleiras já estavam bem vazias. “Quando chega perto da hora de fechar, acontece isso. A demanda tem sido grande”, conta o proprietário.
A rede aposta no conceito de conveniência coreana e visa atrair o público jovem, que gosta de k-pop e da cultura Hallyu em geral (onda pop que invadiu a Coreia), que inclui moda, música, gastronomia e entretenimento. O ambiente minimalista da loja conta com uma trilha sonora composta por sucessos de música coreana K-pop e uma TV que passa séries coreanas.
LÁMEM
Máquinas importadas foram trazidas da Ásia por Lee, especialmente para o preparo de lámen (ou ramyeon, na pronúncia coreana), quando o nome ainda era Rappa Lamen.
Elas funcionam da seguinte forma: primeiro, o cliente escolhe o miojo, que tem variedade de espessura do macarrão e sabor. Depois pega um recipiente de alumínio apropriado para o aquecimento por indução e coloca os complementos escolhidos, que podem ser cenoura, pepino, acelga, broto de feijão e cebolinha. Aí, basta selecionar dois acompanhamentos, como kimchi (conserva fermentada), ovo cozido em potinho, queijo, salsicha polvinho e kani.
É hora de escolher a quantidade de água e o tempo de fervura, que influenciam na textura da massa. Os funcionários da loja orientam os clientes e os ajudam com o passo a passo de todo esse processo. Há ainda alguns ingredientes que podem ser acrescentados após finalizado, como nori (alga utilizada em sushi) picado e sementes de gergelim.
A experiência dos lámens é um diferencial do estabelecimento, mas há também os pratos coreanos típicos. Um dos destaques é o jjajangmyeon, um dos mais populares da culinária coreana, que é composto por macarrão sino-coreano com molho espesso de pasta de soja preta, carne e vegetais.
O lámem custa R$ 14 e, para prepará-lo no local, a CU cobra mais R$ 15 (já com dois acompanhamentos inclusos).
Lee conta que os lámens importados da Coreia e do Japão têm algumas diferenças do modelo brasileiro. Ele destaca que há variedade de massas, desde a tradicional, de farinha de trigo, até de arroz ou batata, e a diversidade de sabores, picantes ou não.
O famoso macarrão instantâneo chegou à Coreia na década de 1960, por meio de empresários que importaram a técnica japonesa de fabricação do produto. Mas a história do macarrão instantâneo teve início em 1958, quando Momofuku Ando, fundador da Nissin Foods Group, quis ajudar as famílias que sofriam em busca de comida num cenário de pós-Segunda Guerra Mundial. Ele criou um alimento prático, seguro, de custo acessível e de fácil armazenamento.
No Brasil, o miojo chegou em 1965 e conquistou os brasileiros. Tanto que tem até um dia próprio: 25 de agosto é celebrado o Dia do Miojo. No entanto, o paladar do brasileiro é mais voltado para frango e carne, com pouco caldo e textura da massa parecida com a do macarrão tradicional. Lá fora, os sabores são mais picantes, têm sabor de carne ou frutos-do-mar e a massa é mais grossa.
TROCADILHOS
O nome CU já é comentado nas redes sociais por conta dos doramas. Com a inauguração de uma loja da rede no país, o assunto viralizou e é possível encontrar vários influenciadores fazendo vídeos cheios de trocadilhos. No entanto, do ponto de vista de marketing, é uma estratégia que tem dado certo para promover a marca.
O perfil ‘Onde Ir em SP’, por exemplo, postou um vídeo sobre a CU e teve mais de 16 mil curtidas. A página do Kenzão bateu 124,5 mil curtidas com o mesmo tipo de conteúdo e o perfil da influenciadora Madú Avila conseguiu alcançar incríveis 870 mil curtidas sobre a conveniência CU.
Ao chegar na Galeria Imperial, é comum ouvir na porta alguém perguntando ‘onde fica o CU?’, já que a loja está localizada no segundo andar. Brincadeiras à parte, o nome CU na Coreia é pronunciado ‘see you’ (até logo ou te vejo em breve) e o logo da rede utiliza o slogan ‘Nice to CU’ (bom te ver). Até o momento, além de divertir os visitantes, a loja parece não enfrentar problemas com a nomenclatura inusitada.
Podemos relembrar nomes curiosos, como a creperia ‘La Putaria’, que teve que virar, em 2023, ‘La Censura’ por conta de uma decisão do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Também há a história do furgão Chana Cargo e, mais recentemente, do Oxxo, cujos dois x do nome são referências ao símbolo de porcentagem (%%), para transmitir a ideia de preços baixos, segundo a empresa. A confusão em pronunciar o nome fez a empresa criar a campanha nas lojas ‘Se fala Ó-QUIS-SÔ, e tá sempre próximo!’. A estratégia deu certo. A Oxxo tem atualmente mais de 500 unidades no Brasil.
MARKETING
“Me parece que o nome tem chamado atenção organicamente de influenciadores, já que tenho visto diversos posts em redes sociais sobre a rede. Talvez seja muito importante trabalhar o nome CU no Brasil, pois os brasileiros que vão à Coreia já postam como brincadeira a pronúncia dessa sílaba. Por lá, as lojas são muito mais diversificadas em termos de produtos”, diz Yoo Na Kim, diretora de missões internacionais da Gouvêa Ecosystem.
Segundo ela, a Oxxo, cujo modelo de lojas de conveniência no país de origem é similar ao da CU, opera somente lojas próprias no Brasil, via uma joint venture com o Grupo Raízen. Apesar de exigir mais capital, esse modelo tem a vantagem de proporcionar maior controle sobre a operação no momento de construção de marca.
“A opção pela franquia, contudo, faz muito sentido no Brasil. Além de permitir uma expansão mais rápida, já que é feita parcialmente com capital de terceiros, os franqueados se beneficiam de estar no regime do Simples, no qual incidem menos impostos. Não existe um padrão para essas grandes multinacionais entrarem no Brasil, algumas optam por operar lojas próprias, outras criam franqueadoras e, por fim, algumas optam por um modelo de master franqueado, com executivos ou empreendedores locais com conhecimento do mercado brasileiro”, explica Yoo.
INVASÃO COREANA
Diversas marcas coreanas já conquistaram o mercado brasileiro, como Samsung, LG e Hyundai. Quando as novelas e séries coreanas ainda não faziam tanto sucesso com os brasileiros, o público nem sabia a diferença entre dorama e k-drama. Hoje, com o sucesso dos k-dramas no Brasil, diversas empresas têm usado sua origem sul-coreana como diferencial.
Para Yoo, antigamente, as grandes empresas não associavam suas imagens com a Coreia do Sul e se promoviam apenas pela conexão com a cultura local brasileira. “A Samsung e a LG, por exemplo, patrocinaram times de futebol brasileiros.”
Outro exemplo é a Hyundai que, recentemente, tem preferido a pronúncia coreana de sua marca ‘hyondé’ em seu material publicitário. “Diferentemente de anos atrás, hoje dizer que o produto é sul-coreano o valoriza.”
A diretora ressalta que, há décadas, os brasileiros consomem produtos de marcas coreanas, às vezes, sem saber. Para ela, a indústria do entretenimento tem ajudado outros tipos de produtos coreanos a se destacar.
“O Brasil não tem rejeição por produtos estrangeiros, então o mercado está aberto para novos entrantes ofertarem todos os tipos de produtos e serviços. Acreditamos que haja ainda espaço para crescer no segmento de eletrodomésticos, eletrônicos e automóveis. As indústrias de alimentos (k-food) e cosméticos (k-beauty) também vêm ganhando força mais recentemente, com grande aceitação entre o público brasileiro”, avalia Yoo.
Sobre a estratégia da CU de abrir sua primeira loja no bairro da Liberdade, reduto da imigração asiática, a consultora avalia que a demanda por consumo de produtos e serviços ligados à Coreia já parece espalhada por todo o Brasil e não é uma exclusividade de São Paulo.
Ela aponta que um indicativo disso é a realização de shows de K-pop em diversos lugares fora de São Paulo. Há também eventos de nicho de cultura asiática, como quadrinhos, cultura geek, entre outros, que acontecem por todo Brasil e que têm sido um sucesso de público.
“Na Coreia, há muitas lojas de conveniência, de diversas marcas (CU, 7Eleven, Emart 24h, GS 25 etc.), então é quase impossível sair de casa sem encontrar uma dessas – mesma sensação que temos com farmácias em São Paulo, parece que tem uma em cada quarteirão”, finaliza Yoo. Resta saber agora se também veremos uma CU em cada esquina.
Por: Cibele Gandolpho